Falta de clareza do conceito de bioeconomia pode trazer prejuízos à Amazônia 1m15e

GRNEWS nas Redes Sociais Facebook Twitter YouTube WhatsApp Instagram 6w619

Biotecnologia, biorrecursos, biomassa, biogás, biocombustíveis, produtos de biodiversidade de valor agregado, economia ecológica… São muitos os termos, conceitos, produtos e processos que envolvem o que a comunidade científica atualmente chama de Bioeconomia. E é essa amplitude do termo, ou falta de clareza, que pode colocar em risco a sustentabilidade dos ecossistemas e populações amazônicas, segundo estudo publicado no periódico internacional Ecological Economics.

O artigo ” A falta de clareza sobre o conceito de bioeconomia pode ser prejudicial para os ecossistemas amazônicos e seus povos “, escrito por cientistas brasileiros e estrangeiros que pesquisam a Amazônia, afirma que a bioeconomia é um termo amplo com diferentes significados que podem se adaptar a diferentes agendas científicas, políticas e de mercado. “Atualmente, a bioeconomia pode ser qualquer coisa, desde a soja até o comércio de produtos não madeireiros, e também envolve monoculturas como o óleo de palma. Nosso objetivo foi chamar a atenção para a necessidade de esclarecer melhor o termo e estabelecer princípios fortes que levem em conta os povos amazônicos e a manutenção de uma floresta saudável, para que os esforços e políticas de investimento visem o desenvolvimento justo para a região”, afirma Joice Ferreira , pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental e primeira autora do artigo.

Para os países amazônicos e sua diversidade de contextos regionais, o trabalho recomenda o termo “sociobioeconomia” como uma das abordagens mais adequadas. “O termo se refere à economia da floresta e sua sociobiodiversidade, a combinação da diversidade biológica e cultural. A sociobioeconomia também considera a diversidade biocultural – a interação entre sistemas naturais e culturas humanas – e economias indígenas, tradicionais e locais baseadas na sociobiodiversidade da região”, afirma o cientista. O uso do termo, no entanto, deve ser baseado em princípios rigorosos, como o compromisso com o desmatamento zero, a equidade social e a valorização das culturas e da biodiversidade locais, como afirma o artigo.

A Amazônia é a região de maior biodiversidade do mundo, lar da maior floresta tropical do planeta, que é o centro da regulação climática global, e tem uma população de cerca de 30 milhões de pessoas. A região contém 59% do território brasileiro, 70% de todas as áreas protegidas continentais e 83% de todas as terras indígenas do Brasil.

Sociobiodiversidade
Um conceito que expressa a inter-relação entre a diversidade biológica e a diversidade dos sistemas socioculturais. É a combinação de todos os organismos vivos na natureza, pessoas, cultura e tradições.

Diferentes conceitos e narrativas
O grupo de pesquisadores discutiu os termos e conceitos em uso e avaliou seu impacto na tomada de decisão sobre políticas públicas para o desenvolvimento da Amazônia. A trajetória do conceito envolve três visões, segundo a literatura científica: a bioeconomia biotecnológica, focada em tecnologias intensivas em ciência para aumentar a eficiência ambiental; a bioeconomia de biorrecursos, que propõe aumento da produtividade e intensificação do uso da terra; e a bioeconomia focada em processos ecológicos que promovam a biodiversidade, entre outras questões.

Para a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), por exemplo, bioeconomia é a “produção, utilização, conservação e regeneração de recursos biológicos – produção, utilização, conservação e regeneração de recursos biológicos – para fornecer soluções sustentáveis ​​(informações, produtos, processos e serviços) dentro e entre todos os setores econômicos, e permitir uma transformação para uma economia sustentável”. Para a Comissão Europeia, bioeconomia é um termo “relacionado a todos os setores de produção primária que usam e produzem recursos biológicos (agricultura, silvicultura, pesca e aquicultura) e todos os setores econômicos e industriais que usam recursos e processos biológicos para produzir alimentos, rações, produtos de base biológica, energia e serviços”.

Portanto, como afirma o pesquisador, a bioeconomia é pensada ou abordada de acordo com as necessidades ou visões de cada país ou região. “Chegar a um consenso sobre termos e princípios fundamentais não é apenas uma questão de semântica. Novos campos de ação são imbuídos de novas visões e narrativas que competem por recursos, investimentos e políticas públicas. Dessa forma, narrativas dominantes têm o poder de definir estratégias futuras de desenvolvimento para a Amazônia”, diz Ferreira.

Sociobioeconomia para a Amazônia
Como o termo é ambíguo e pouco claro, a bioeconomia também pode causar impactos negativos ao meio ambiente dependendo da abordagem. Os pesquisadores apontam o exemplo da produção de açaí ( Euterpe oleracea Mart. ), que é o produto de maior destaque da bioeconomia na Amazônia e o primeiro a ultraar o valor de mercado de US$ 1 bilhão em 2023, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

“Embora a produção da fruta possa promover a conservação e o empoderamento local quando manejada adequadamente, a rápida expansão do mercado levou à superexploração das florestas de várzea no estuário da Amazônia e à erosão da biodiversidade”, afirma Ima Vieira, pesquisadora do Museu Emílio Goeldi, que também é coautora do artigo.

“A expansão das atividades da bioeconomia tem, portanto, o potencial de mudar drasticamente a Amazônia. Garantir resultados positivos para as pessoas e a natureza dependerá de salvaguardas rigorosas. Primeiramente, as definições e princípios subjacentes a uma bioeconomia que traga benefícios à sociedade e ao meio ambiente precisam ser padronizados”, postula o cientista.

Para o pesquisador da Embrapa Roberto Porro, também coautor da análise, o uso do termo bioeconomia precisa ser qualificado, e dar lugar ao conceito alternativo de sociobioeconomia. “Esta [sociobioeconomia] considera a posição expressa pelos povos e comunidades tradicionais, que são os protagonistas da economia florestal, enfatizando a equidade e a geração de valor a partir dos produtos da sociobiodiversidade e da agrobiodiversidade amazônica”, ressalta o cientista.

Porro acrescenta que as múltiplas expressões da sociobioeconomia amazônica constituem uma abordagem inclusiva à bioeconomia, por meio da qual a Embrapa visa reposicionar as operações na região. Os pilares dessa abordagem compreendem sistemas de produção sustentáveis, agregação de valor ao conhecimento e estilos de vida locais, segurança alimentar, equidade, repartição de benefícios e redução da pobreza.

“O conceito de sociobioeconomia pode fomentar sistemas econômicos alternativos, em contraste com uma abordagem business-as-usual, pois está em linha com as relações harmoniosas entre comunidades indígenas, locais e tradicionais e seu ambiente”, afirma o artigo. Mas os autores argumentam que o termo é baseado nos valores de justiça, ética, inclusão social, conservação da biodiversidade, equilíbrio climático e conhecimento tradicional. Com informações da Embrapa

PUBLICIDADE
[wp_bannerize_pro id="valenoticias"]
Don`t copy text!