Oposição à proteção ambiental e violência de gênero buscam silenciar marina silva, apontam analistas 6n6dw
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A recente onda de ataques e ofensas dirigidas à ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na Comissão de Serviços e Infraestrutura do Senado, ontem (28), reflete a naturalização da violência política de gênero e a resistência de parte do Legislativo às políticas de regulação ambiental. Essa é a análise de especialistas consultados pela Agência Brasil.
Durante a audiência, marcada por falas agressivas, o senador Plínio Valério (PSDB-AM) declarou que Marina não merecia respeito como ministra, enquanto o senador Marcos Rogério (PL-RO) a mandou “se colocar no seu lugar”.
A professora de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), Flávia Biroli, argumentou que esse episódio se insere em um histórico de ameaças e violações contra aqueles que ousam defender os direitos ambientais no Brasil.
“A ministra representa uma posição indigesta para quem percebe os recursos ambientais como lucro e arrecadação. Sua história de ativismo, seu reconhecimento nacional e internacionalmente e sua posição de ministra dão força a uma agenda de regulação ambiental que dão a ela apelo político. Justamente por isso, aqueles que se opõem à regulação pelo meio ambiente atuam para silenciar e deslegitimar ela”, analisou Biroli. Vale lembrar que o Brasil foi o segundo país do mundo com mais assassinatos de defensores do meio ambiente em 2022.
O incidente com a ministra ocorre uma semana após o Senado aprovar, por ampla maioria, um projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil. Essa proposta é considerada por organizações ambientalistas como o maior retrocesso dos últimos 40 anos e foi duramente criticada pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA).
O caso também se desenrola em meio às discussões sobre a exploração de petróleo na margem equatorial, próxima ao Amapá, um projeto defendido pelo presidente do Senado, senador Davi Alcolumbre (União-AP), que também apoia as mudanças no licenciamento ambiental.
O embate no Senado teve início quando o senador Omar Aziz (MDB-AM), da base governista, acusou Marina de dificultar o desenvolvimento do país, proferindo duras críticas à política ambiental do MMA. As interrupções de Aziz durante as respostas da ministra desencadearam um bate-boca entre os dois.
O presidente da Comissão, Marcos Rogério (PL-RO), da oposição, não garantiu o direito de fala da ministra, ironizando a discussão entre Marina e um senador da base. Após Marina exigir respeito do presidente da Comissão, Rogério a mandou “se pôr no seu lugar”.
Violência política de gênero e a naturalização do desrespeito
Para a professora e pesquisadora Michelle Fernandez, do Instituto de Ciência Política da UnB, além das divergências políticas, houve um evidente caso de violência política de gênero, dado o fato de a ministra ser mulher.
“Será que se fosse um homem naquele lugar, isso aconteceria? Existe uma leitura na sociedade de que aquele não é um espaço para as mulheres. Esse ‘coloque-se no seu lugar’, dito pelo senador Rogério, tem a ver com isso”, destacou Fernandez. Ela acrescentou que, apesar de ser ministra de Estado, ex-senadora, ex-deputada federal e candidata à presidência da República, Marina ainda é percebida em um ambiente que, para alguns, não seria adequado a uma mulher.
“A gente está falando de um país que ocupa as últimas posições em participação de mulheres na política. Temos pouquíssimas mulheres de maneira ampla ocupando espaços de poder”, complementou a professora Michelle.
Para a especialista Flávia Biroli, as tentativas de silenciar e constranger são características típicas da violência política de gênero. “O fato de ela ser uma mulher negra de destaque incomoda ainda mais a esses homens, para quem ela está ‘fora do lugar’. Seu lugar, para eles, seria o de quem não tem voz nem influência”, disse.
Declínio da compostura parlamentar e defesa da ministra
A fala que levou Marina Silva a se retirar da Comissão foi a do senador Plínio Valério (PSDB-AM), que afirmou não a respeitar como ministra. Em uma audiência anterior no Senado, o mesmo parlamentar já havia dito ser difícil ouvir Marina sem querer “enforcá-la”.
A professora de história da Universidade de Brasília, Teresa de Novaes Marques, que pesquisa a participação das mulheres na política, avaliou que as agressões contra a ministra são um sintoma do declínio da compostura parlamentar observado no Brasil.
“Evidentemente que a pessoa confunde a afirmação de sua autoridade, fruto do cargo que ocupa, com a negação ao direito do outro de existir, falar. Hanna Arendt [filósofa e escritora] escreveu em uma de suas obras que o que distingue a condição humana é a capacidade de falar, de se expressar. Negar o direito de expressão, dentro das linhas do protocolo do debate político, é negar o direito do outro de existir”, comentou Marques.
Para Teresa Marques, o episódio tem relação com o gênero, a origem social e até mesmo a condição fisicamente mais frágil da ministra. “[Tudo isso] estimula seus interlocutores a agredi-la. Ao se dirigir a ela na forma que fez, envia recado para subalternos amazônicos- ribeirinhos indígenas e seus defensores”, finalizou.
Durante o acalorado debate entre Marina, Omar Aziz e Marco Rogério, apenas a senadora Eliziane Gama (PSD-AM) interveio para defender a ministra. “Eu quero apenas pedir que vossa excelência assegure a fala da ministra. Qual o problema de ela falar? Eu não vou permitir que se transgrida esse direito de fala da ministra”, disse a senadora.
O líder do governo, Jaques Wagner (PT-BA), presente na sessão, não se manifestou imediatamente, mas divulgou uma nota após a audiência condenando os ataques à ministra. “Não pode ser tolerado”, escreveu em uma rede social.
Após a declaração do senador Plínio de que Marina não merecia respeito, o líder do PT na Casa, senador Rogério Carvalho (PT-SE), pediu a palavra e defendeu o direito da ministra de se retirar da Comissão devido às falas desrespeitosas.
Na avaliação da cientista política Michelle Fernandez, houve uma falta de defesa mais incisiva e imediata da ministra no calor do debate. “Vimos depois algumas notas condenando a atitude dos parlamentares e de respaldo a ministra, mas faltou uma efetiva defesa naquele momento. Isso tem relação com essa naturalização desse tratamento pejorativo com relação às mulheres, como se tivessem que aguentar esse tipo de enfrentamento, como se fosse natural”, analisou.
O tratamento dado a Marina na Comissão do Senado gerou críticas de vários membros do governo. Por telefone, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva expressou apoio à ministra por ter abandonado a discussão. Com informações da Agência Brasil