Estudo global expõe a precarização do trabalho remoto em plataformas digitais 1462b
GRNEWS nas Redes Sociais Facebook Twitter YouTube WhatsApp Instagram 6w619
Plataformas digitais têm se consolidado como intermediárias de serviços globalmente, indo além de entregas e transporte para incluir diversas tarefas remotas online. Setores como alimentação de bancos de dados de inteligência artificial, criação de conteúdo, e a vendas e serviços profissionais (contadores, advogados, arquitetos) são agora mediados por essas empresas, que remuneram por projetos.
Embora o trabalho remoto em plataformas seja a principal fonte de renda para seis em cada dez trabalhadores dessa modalidade, um novo estudo revela as condições precárias em que ele é exercido. As empresas frequentemente não pagam por serviços, atrasam pagamentos e remuneram abaixo do salário mínimo do país de residência dos prestadores. Além disso, falham em oferecer e e segurança, expondo trabalhadores a conteúdos violentos ou sexuais sem proteção social, e dificultam a organização coletiva dos trabalhadores.
Essas são algumas das principais conclusões do Relatório Fairwork Cloudwork Ratings 2025, uma iniciativa de pesquisadores da Universidade de Oxford (Reino Unido) e do instituto WZB Berlin (Alemanha), divulgado recentemente.
Ranking de desempenho e preocupações
O estudo avaliou 16 das plataformas de trabalho em nuvem mais utilizadas, com a participação de aproximadamente 750 trabalhadores em 100 países. O relatório apresenta um ranking surpreendente, com a média de pontuação das plataformas sendo de apenas 3,5 de um total de 10.
A pesquisa aponta que Amazon Mechanical Turk, Freelancer e Microworkers não pontuaram, indicando as piores condições. A Upwork obteve apenas um ponto, enquanto Fiverr e Remotasks alcançaram dois pontos. As empresas citadas não se manifestaram sobre o estudo.
Uma das preocupações mais significativas é o pagamento. Um terço dos entrevistados relatou não ter recebido por algum serviço ou ter sido pago com cartões-presente que, posteriormente, precisaram ser leiloados online para que o dinheiro chegasse à conta bancária. Um “turker” (como são chamados os trabalhadores) da Nigéria expressou seu desejo de receber diretamente em sua conta bancária. Muitas empresas, localizadas no “norte global”, não realizam pagamentos diretos a trabalhadores de outras regiões.
O relatório internacional também destaca que apenas quatro das 16 plataformas investigadas puderam comprovar que pagam, no mínimo, o salário mínimo local, desconsiderando custos como impostos. Isso ocorre mesmo em um setor que movimentou cerca de US$ 557 bilhões em 2024, com projeção de crescimento para US$ 647 bilhões este ano. No Brasil, por exemplo, o salário mínimo é de R$ 1.518.
Jonas Valente, coordenador do relatório e pesquisador brasileiro no Oxford Internet Institute, explicou que o Fairwork buscou dados e evidências de que as plataformas pagavam o salário mínimo, mas só encontrou informações em quatro das 16. Em dois casos, havia políticas explícitas contra pagamentos abaixo do mínimo local; em outros dois, dados de pagamentos comprovaram a adequação.
Falhas contratuais e riscos à saúde
Além da baixa remuneração, as plataformas incluem cláusulas contratuais vagas e pouco transparentes, prejudicando os trabalhadores. Jonas Valente ressaltou que, em modelos de trabalho mais tradicionais, os contratos são claros sobre as responsabilidades de ambas as partes. No entanto, nas plataformas, muitos contratos são incompreensíveis, especialmente para trabalhadores dispersos globalmente e que não dominam o inglês. Isso pode levar a suspensões ou desligamentos inesperados.
O pesquisador também alertou para a falta de responsabilidade das plataformas com a saúde dos trabalhadores, apesar de exigirem alta disponibilidade. O relatório cita o caso de uma trabalhadora peruana, formada em ciências sociais, que precisou operar a retina devido a longas horas em frente às telas, mas não recebeu ajuda e foi desligada da plataforma, mesmo ganhando entre US$ 10 e US$ 15 por hora em jornadas de 6 a 9 horas.
A urgência da regulamentação
A dificuldade de fiscalizar o trabalho remoto, devido à dispersão dos trabalhadores em vários países e à ausência de sindicatos organizados, leva os pesquisadores a defender uma regulamentação rigorosa por parte dos Estados para reverter as condições precárias.
O Fairwork defende uma regulamentação nacional e internacional para essa modalidade de trabalho, visando proteger cerca de 400 milhões de pessoas no setor, conforme estimativas do Banco Mundial. Jonas Valente enfatizou a necessidade urgente de governos e órgãos reguladores se mobilizarem e responsabilizarem as plataformas. “Sem ação, milhões de pessoas vão continuar presas em postos de trabalho digital inseguro e mal remunerado, sem voz, sem direitos e sem proteção”, alertou.
No contexto brasileiro, Valente destacou que a proposta do Projeto de Lei 12/24 deveria abranger todos os trabalhadores em plataformas, e não apenas os motoristas de transporte privado.
A visão do ministério público do trabalho
A necessidade de regulamentar o trabalho remoto em plataformas é uma preocupação compartilhada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). A entidade tem recebido denúncias de descumprimento de leis trabalhistas e criou o Projeto Plataformas Digitais para acompanhar esses casos. Rodrigo Castilho, gerente da iniciativa e procurador, reconheceu a “grande precarização no Brasil” nesse setor.
Castilho mencionou violações da jornada legal, inadequação do ambiente de trabalho, dificuldades de organização sindical e baixa remuneração — por vezes, centavos por hora, apesar do alto volume de tarefas ou da disponibilidade exigida. “Temos denúncias diversas que questionam a ausência total e completa de direitos a esses trabalhadores”, afirmou, corroborando as conclusões do Fairwork.
Segundo Castilho, as plataformas classificam os trabalhadores como autônomos, o que, na prática, nega direitos já conquistados no Brasil, como férias, 13º salário e descanso remunerado. Ele defende que, na ausência de normas específicas para o setor, a legislação nacional deve ser aplicada, pois “o inaceitável é que esses trabalhadores não sejam contemplados com nenhum direito, enquanto se aguarda a regulação”.
O procurador também ressaltou a importância de um compromisso ético por parte das próprias plataformas. “A gente vive em uma sociedade capitalista, de mercado, essas são as regras do jogo. A questão toda é que há um componente ético nas relações sociais e as pessoas não podem ser exploradas nos seus direitos, em sua dignidade, trabalhando em ambientes inseguros e insalubres para que outras tenham lucros exorbitantes”.
Desde 2023, o projeto Fairwork tem oferecido e às plataformas para que se adequem a padrões mínimos de trabalho justo, resultando em 56 melhorias, desde atualização de contratos até aprimoramento na resolução de disputas e transparência. No entanto, essas mudanças foram limitadas a poucas empresas.
Este ano, das 16 plataformas investigadas, apenas três responderam ao convite do Fairwork para comentar a pesquisa: ComeUp, Scale/Remotasks e Translated. Elas reconheceram problemas e afirmaram o compromisso de melhorar as condições. As demais não se manifestaram.
As plataformas investigadas incluem Fiverr, SoyFreelancer, Appen, Clickworker, PeoplePerHour, Upwork, Freelancer, Microworkers, Prolific, Terawork, Creative Words e Elharefa, além da Amazon Mechanical Turk. Com informações da Agência Brasil